POEMAS


Desvarios

 

as palavras amareladas na escrivaninha

jogadas sobre aquele papel amassado, cheirando céu nublado

tantas nervuras que arranham a cor gelada do meu gemido

travo-te, mais uma vez, entre minhas pernas trêmulas

já é hora de partir?

vais deixar a candura desse cheiro de vento que sopra na janela aberta para o sol que insiste em revelar nossos segredos?

deita aqui, deixe-me te embalar nos meus quadris

deixe-me te afagar com minha língua quente em um movimento lento que molha essa esperança azul céu

venha dançar sobre meu corpo com essas mãos frenéticas enquanto minha vontade está ébria

segura-me junto a ti

encosta teus lábios em meus seios descompassados

amortece esse tempo soberano

lentamente

                   lenta

                     lenta  lenta lenta lenta lenta

mente

levanto

olho para a mesa

o papel, as palavras

bebi todas que havia escolhido para escrever-te

emudeço no grito-dor, na vontade-cheiro, na primavera-escura

nesse meu vaso de fazer nascer poesia não há como germinar essa semente-memória

ela aborta todas as metáforas

causa náuseas em minhas sinestesias

germina como uma estéril

seca, amarga

abandonada nessa poltrona acinzentada

papel- palavra amassado. 


 


Fina

 

Chove em mim

chuva fina

da fina voz

das mãos suaves

dos braços quentes

molhando essa vontade de ter um oceano macio, intenso, profundo

de contemplar uma rochosa estrela que brilha de desejo lampejando como o vaga-lume alado

galopando de suspiros que reluzem no encontro da noite curta

da solidão desmesurada

de uma rasa coisa

rasa dor

raso amor

raso fim

que desliza na sombra extenuada que tateia a matéria mórbida neste dia

quase cheio

quase todo

quase dia.

 

Márcia Dias


Poemas publicado na Coletânea Se essa lua fosse nossa, ano 2021.

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