Como Clarice Lispector pode mudar sua vida - Simone Paulino

Há muito tempo sou uma apaixonada por Clarice Lispector. Mais que ler, eu sentia o que Clarice escrevia. É como se o grito dela ecoasse em mim. A inconstância, a insistência em tentar compreender um mundo que, na verdade, vive-se internamente, é o que faz com que Clarice nos provoque tanto. Estava eu em uma livraria-paraíso (assim que vejo as livrarias e isso me faz lembrar de Rubem Alves que diz: Céu é um lugar de reencontro com as coisas que a gente ama, por isso, livraria para mim é céu, é paraíso) e vejo na prateleira um livro intitulado “ Como Clarice Lispector pode mudar sua vida de Simone Paulino. Pensei: Poxa! Essa Clarice é foda mesmo! Que poder! Depois parei e pensei na quantidade de críticos que dizem: Clarice não é autoajuda! Vish! E esse título? Compro ou compro? Rs Porque diante de Clarice, fico assim, e me entrego mesmo. Comprei! E fiquei agarradinha ao meu livro novo como aquela criança que ganha o algodão doce da cor e tamanho que ela quer. Logo nas primeiras páginas me deparo com o seguinte trecho: “Quando eu tinha 5 anos, menina-rascunho dessa mulher que hoje escreve, perdi meu pai, assassinado brutalmente quando voltava do trabalho”. (p.08) E já mergulho na história de vida de Simone Paulino, pois eu havia perdido meu pai também há pouco tempo. Meu pai tinha 69 anos,e eu 38, mas eu era ainda a menina dele. E cada descrição que a autora fazia, eu via meu pai:homem bom, trabalhador, sem muito estudo. E fui percebendo que foi a literatura também que auxiliou no meu consolo e que como a autora “Me permitiu reinventar minha história”(p.10). E assim, ela encerra a introdução: “É um pouco dessa história que eu gostaria de compartilhar com você leitor, essa história de como a literatura pode curar nossa alma, apesar das guerras, apesar dos golpes, apesar das injustiças, apesar da morte. E de como a literatura de Clarice Lispector, em especial, pode nos ajudar a viver. (p.11) A autora nos apresenta 13 temas, aqui chamados por mim de existenciais, ela discorre sobre cada um e nos envolve no mundo que mescla a Simone e a Clarice. Falarei, brevemente, sobre cada tema apresentado. Tema 1 : Como deixar a vida ser o que ela realmente é. A autora nos apresenta o início de sua vida “Clariciana” pelo viés do desencontro. Foi ela, obrigada a ler A hora da estrela, como muitos vestibulandos, e confessa não ter sido arrebatada por Clarice, ou seja, não foi amor à primeira leitura. Mas é Simone quem afirma “ É como se minha alma não tivesse sido preparada para receber o germe daquela escrita” (p.22). Entretanto, a vida e suas voltas coloca Clarice no caminho de Simone mais uma vez. Essa se tornou jornalista e descobriu que Clarice Lispector era uma leitura necessária por ter sido jornalista também e por ser uma autora de lugar de destaque no cânone brasileiro. Tema 2: Como ser feliz. Aqui, Simone nos leva para “Perto do coração selvagem” e nos envolve às miudezas de Clarice, chamada por ela de conquista fugidia. Essa breve sensação que chamamos de momentos, instantes. Ela nos leva a pensar no que vem depois desse momento. O que vem depois dos felizes para sempre. Assim, lança-nos a uma grande verdade: “ Porque quem consegue ser feliz agora, por pouco que seja, pode guardar a memória da felicidade e segurara-se nela em dias de vendaval.” (p.32) Tema 3: Como estar no mundo: Como não concordar com Simone, quando esta diz: “ Há em Clarice um evidente olhar filosófico”? Ao ler Clarice, em nós é suscitado o que ela mesma chamou de espanto inexplicado. Para alguns, ler Clarice é enveredar por um campo verde no qual a loucura e inquietação caminham juntas, lado a lado. Nesse tema, a autora afirma que Clarice resplandece até as superfícies mais ressequidas. Creio que inquieta até as almas mais serenas, apáticas. Assim, ela afirma “ [...] um modo possível que encontrei de ler Clarice foi o de sucessivas aproximações e recuos [...](p.39) em doses homeopáticas de enfrentamentos. Tema 4. Como ter compaixão: Movida pela compaixão à pobre Macabéa, o retrato da exclusão e pela pobre galinha que iria ser o almoço do domingo, Simone nos fala de como Clarice a humanizou, pois ela sempre empresta os olhos do coração, como Exupéry “ Só se vê bem com o coração” também, e nos faz olhar além e nos transforma em “sol para aquecer o mundo”. Tema 05. Como seguir a si mesmo: Há nesse tema um momento epifânico descrito por Simone [...] Clarice abre nossas feridas, mas depois de estar em carne viva, ganhamos uma paz desconhecida, às vezes, nunca experimentada, de quem se reencontrou consigo mesma [...] (p.55). Isso que a literatura nos permite é mágico, encontrar-se no outro e em si. A mimese nos dá essa possibilidade e assim vamos de fingimentos a fingimentos acobertando nossas infelicidades, porque ficção e realidade parecem se fundir. Tema 6. Como aproveitar o instante: Para Simone, Clarice a ajudou a vivenciar um presente contínuo e “gerundiar” as ações. Viver amando, esperando, acreditando sem pressa, pois o gerúndio é assim. A expectativa nos tira do tempo presente e não nos oferta o futuro. Usurpa de nós o direito de sentir. Para aproveitar instante em plenitude é preciso cultivar o vazio e ter, como afirmou Clarice, “ a paciência da aranha formando teia”, uma hora a teia fica pronta! Tema 7. Como transcender a realidade: “ Quem experimenta Clarice é impossível não ficar com uma parte dela em nós. É realmente como viver um grande e perturbador amor, daqueles que a gente nunca esquece, por mais que o tempo passe e por mais que outros amores aconteçam em nós”(p.71). Simone nos revela o poder antropofágico da leitura. Ficamos com a sensação de que Clarice vive em nós. Essa é um bálsamo para as incompreensões deste mundo e nos livra das amarras racionais, nos permite viver a irracionalidade na palavra, na imagem e assim nos sucumbe para existir nela e com ela. Tema 8. Como cultivar o delicado essencial: Simone inicia esse tema com a seguinte afirmação:“ O mundo é brutal. O mundo de Clarice também”(p.77). E seguindo essa trama da reflexão nos apresenta a Clarice que consegue transcender a esse mundo brutal e a nos levar com ela. É Clarice, afirma a autora, que modifica nossa forma de olhar “uma rosa no quintal” com a obra CEM ANOS DE PERDÃO. Em RESTOS DE CARNAVAL, acontece a metamorfose de olhar as serpentinas, confetes de papel e fantasias. E vamos mergulhando no mundo de Clarice, mas com muito cuidado, sabendo que a qualquer momento a ruptura irá acontecer e podemos sofrer uma transfusão de pensamento. Tema 9 – Como aprender a amar: “ Esperarei nem que sejam anos que você também tenha corpo-alma para amar” (Um qualquer aprendiz ou o Livro dos prazeres). Fico olhando para essa frase na abertura desse tema e pensando nesse tempo de espera para conseguir algo tão sublime: ter corpo e alma para amar. Eu, de repente, vi que estava sendo levada por essas duas, Clarice e Simone, para entender que ao deixarmos de lado a pretensão de entender o amor, aceitar o risco da imensidão da dúvida e do mistério, é que vamos aprender que “Só quando esquecemos de todos os nossos conhecimentos é que começamos a saber” e assim vamos sendo preparadas de corpo/alma para amar. (p.88) Tema 10- Como superar o medo: Como? Eis a pergunta que sonda todos os corações. Clarice, como nos informa Simone, disse a um amigo escritor, “Com medo ninguém escreve. E é Simone que vem delineando esse caminho com sua experiência de nascer com as pernas atrofiadas e, posteriormente, descobrindo que seu Comboio de Cordas (lembrei de Pessoa ao nomear coração) girava mais lento que o normal, mas em Macabéa (A hora da estrela) há uma frase que nos ensina a superar esse medo: “Quanto ao futuro”. O que tem depois que virarmos a curva? Há algo depois da curva? E assim, é necessário pensar: o que temer se não sabemos o que existe? Tema 11. Como chegar a Deus: Simone faz uma declaração ousada sobre a leitura de Clarice neste tema “Quem não tiver altura para chegar a Deus por si próprio, Clarice servirá de apoio”(p.101). E isso a alguns leitores de Clarice pode soar estranho, pois para alguns críticos, há ausência de Deus na vida de Clarice, mas para Simone, essa ausência é o que nos ensina muito de Deus em Clarice. Tema 12. Como aceitar a morte: Sem dizer muito, mas dizendo tudo, aqui Simone sopra levemente em nós uma maneira de viver Clarice: “[...] Em mim, Clarice continua a escrever. Suas palavras, frases, conselhos, crônicas, contos e romances continuam a atribuir sentido ao meu mundo[...]. (p.110) Creio que isso se assemelha com o que ouvi certa de vez de um sacerdote: “ Só morremos quando a última pessoa que se lembrar de nós morrer também.” Meu pai é memória viva em mim... Tema 13. Como matar as baratas: É Clarice quem diz em uma carta para a irmã: “ Até cortar o próprio defeito pode ser perigoso. Nunca se sabe qual é o defeito que sustenta nosso edifício interior”(p.115) e assim, Simone se despede desse diálogo clariciano com o leitor dando-nos uns “toques” sobre as nossas edificações interiores. É preciso saber lidar com nossas baratas! Acabou? Mas eu queria conversar mais. Assim encerro essa minha breve percepção sobre a obra de Simone Paulino. Tentei fazer um resumo sobre a obra, mas de repente, não mais que de repente, escorreguei e entrei na conversa. Eu, ela e Clarice e nossos mundos interiores conversamos. Que liberdade! Que conforto saber que tem gente estranha como a gente! A estranheza é um ponto de convergências que só os leitores de Clarice têm. Sugiro que leiam o livro! Conversem com essas meninas!
Sobre a Autora: Simone Paulino é Jornalista, escritora, editora e mestre em Teoria Literária e Literatura comparada pela Universidade de São Paulo. Escreveu vários livros, entre eles, o infantil O SONHO SECRETO DE ALICE, o livro de contos ABRAÇOS NEGADOS, e o gift book MINHA MÃE, MEU MUNDO, com mais de 400 mil exemplares vendidos.

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